A menina estava com cara de cansada. Cansada demais. E seria óbvio que me trataria mal. Ela me perguntava alguns dados, com muito tédio porque deve fazer isso não sei quantas vezes ao dia. Eu respondia rápido com medo dela não gostar de alguma resposta. Sei lá, vai que ela achasse que os números do meu F não fossem legais. É, tem gente que quanto está assim, é bom não brincar.
Enquanto esta tortura acontecia, para ela e já para mim também, eu olhava o ambiente. A mesa era uma bagunça só, tinha papel, caneta, adesivo, caneca. O celular da moça estava no WhatsApp, aberto na conversa com alguma amiga.
O fundo de tela era uma unha bem pintadinha com desenhos de onça. Vi que era a unha dela também. Devia ter feito aquele final de semana.
Olhei para cima e havia alguns quadros decorativos desses que se compra em loja de utilidades. Tinha um elefante que claramente não devia estar ali. Não combinava com o negócio, muito menos com a torre Eiffel ao lado dele. Pior era o Romero Brito fake que ria de tudo pertinho da porta de entrada do cubículo.
Alguns cartazes já diziam o quanto o ambiente era hostil para que ousasse pedir o serviço ali: “Não aceitamos cheque”, “Não nos responsabilizamos por qualquer coisa esquecida dentro do carro”, “Preferimos pagamento em dinheiro”, “Não aceitamos carro após 17h”. Nossa moral estava baixa. O que me deu um pouco de alívio foi subir um pouco os olhos e encontrar um altarzinho com um crucifixo e uma Nossa Senhora pequenininha, brilhante. Ela deve trabalhar bastante ali.
E foi na verdade o que me segurou porque nesta sociedade do cansaço que vivemos, como a gente está sempre muito estressado, confuso, cansado mesmo, ser tratado de forma tão indiferente já nos faz querer vinganças bem sádicas. E aí, não raro, a raiva, que é aquela coisa que faz a boca ser mais rápida do que o cérebro, entra em cena e tudo vira uma confusão sem limite.
Olhei para a mocinha de novo. Pelo jeito, ela aguardava meu tour de observação no espaço. Sorri para ela. Ela não sorriu de volta, claro. Só disse: “Fica pronto em uma hora”.
Fui embora rezando uma Ave-Maria para ela e isso me acalmou. Agora, ao final dessa crônica, vou rezar outra Ave-Maria porque já deu uma hora e tenho um encontro de novo com ela.